segunda-feira, 22 de junho de 2009

Tecendo a própria história

Aulas de tear estão fazendo com que mulheres carentes de Curitiba aprendam mais do que uma nova atividade manual. A melhora da autoestima e a confiança no futuro são outras lições desta trama

Algumas realidades não são fáceis de ser encaradas. O cotidiano em comunidades carentes, com situações de violência – que muitas vezes envolvem parentes – provocam medo e angústia.

Participar de sessões de terapia para conversar sobre essa realidade seria um luxo inimaginável para algumas mulheres que participam de um projeto em cinco regiões da periferia de Curitiba. Mas é o que elas têm feito, de uma forma muito delicada. Por meio de aulas de tear e contação de histórias estão conseguindo refletir sobre a própria vida e descobrir saídas para as suas angústias.

 / Meire Martins redescobriu a alegria com as lãs Ampliar imagem

Meire Martins redescobriu a alegria com as lãs

As aulas de tear são realizadas em cinco centros de referência em assistência social, os CRAS. São organizadas pela Associação Paranaense de Terapia Familiar (APRTF) com o apoio da Fundação de Assistência Social (FAS) do município.

As alunas chegam, escolhem as cores da linha e preparam o tear. Depois de um tempo, a aula é interrompida para que se conte uma história, como a de uma moça que trocou com uma bruxa os longos cabelos, o brilho dos olhos e os dentes por potes de porcelana. Sem ter alegria, ela volta para tentar recuperar seus bens e sua dignidade. Por trás desses contos estão temas como respeito, ética, esperança e solidariedade, sempre embalados por fadas, princesas, bruxas e castelos. São histórias de mundos distantes e fantasiosos, mas que sempre remetem a uma situação próxima. “O conto apresenta uma saída no final. São temas para se pensar e sempre escolhidos com elementos da realidade dessas pessoas”, diz a psicóloga Denise Kopp Zugman, presidente da APRTF. Dessa forma, os temas são apresentados sem serem diretamente falados. E os comentários aparecem naturalmente entre as participantes.

A escolha das linhas e lãs é outro sinal do resultado da terapia. Segundo as organizadoras, uma das alunas sempre escolhia a cor preta para tecer. Tinha dois filhos em abrigos e seu destino parecia realmente negro. “Com o tempo, refletindo conosco sobre a realidade dela, passou a colocar algumas cores. No começo ainda escuras, até que apareceu um pink. Foi quando ela disse: ‘sabe de uma coisa, posso tecer com a cor que eu quiser’. Ela passou a ter perspectiva, a abrir o olhar”, conta a psicóloga Tereza Beatriz Vidinich, a contadora de história no CRAS Rio Bonito, em Campo do Santana.

A auxiliar de serviços gerais Meire Martins, 49 anos, parou de trabalhar há um ano depois do diagnóstico de depressão. Há três semanas começou a participar das aulas de tear no CRAS Rio Bonito e de um jeito simples explica essa vivência. “Estou tendo conhecimento, conversando com as pessoas e escutando histórias. Já estou me sentindo bem melhor e quero voltar a trabalhar”, diz.

A empregada doméstica Norma Teixeira de Souza, 48 anos, está fazendo do tear um complemento para a renda da família. Começou as aulas há seis meses e no último mês vendeu três cachecois. Comprou seu próprio tear, mas continua frequentando as aulas. “Achei que nunca conseguiria fazer nada. Me dava nervoso, mas com paciência consegui aprender. Quando se faz o que se gosta, não fica difícil”, diz.

A convivência e o aprendizado faz com que essas mulheres resgatem a autoestima e percebam que podem ir além. “Somente o tear ou apenas o conto não trariam o efeito desejado. São os dois juntos, a reflexão e a atividade, que mostram para elas que podem ir além, trabalhando com uma conquista concreta”, diz Denise. O projeto, iniciado em Curitiba há três anos, será implantado em Porto Alegre (RS), nos mesmos moldes do aplicado aqui.

Até agora passaram pelo projeto 270 mulheres. Mais do que números, o balanço feito pelos organizadores nesses três anos é de que as atividades melhoram a autoestima, ajudam no estreitamento dos vínculos familiares e na diminuição da tristeza dessas mulheres tão maltratadas pela vida.

Serviço

Mais informações sobre o projeto Tecendo Redes, acesse o site www.aprtf.com.br e entre no espaço APRTF em Ação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário